sexta-feira, 23 de maio de 2008

"A Linguagem com que os homens se comunicam"

Este post ficaria bom se o título fosse Convite ao Mundo Grande II.
Um poema de Carlos Drummond de Andrade traz consigo uma mensagem pacificamente tímida. É preciso lê-lo e relê-lo. Marilena Chauí compartilhou a interpretação deste poema em sua mais famosa obra. O poema é o “Mundo Grande”. A mensagem, farei metaforicamente um acontecimento de minha vida passar.
Antes de completar meus doze anos - idade em que me encontrava frágil, totalmente dependente de meus pais, introvertida e ingenuamente calada -, minha mãe, sem me consultar, havia pesquisado sobre uma proposta de intercâmbio.
Eu tinha 11 anos em magros dedos. Quando ela me deu a notícia de que eu faria uma viagem internacional por um mês sem meus pais, creio que toda essa magreza encarniçada em secos galhos que faziam meus dedos, quis se quebrar. Mas minha natureza sempre foi de encarar como uma boa experiência as situações que não escolho.
E acabei indo, no fim, mais animada que nunca. Destino: Linköping - Suécia.
Eis que nessa experiência internacional tive a felicidade de conhecer pessoas das culturas mais diversas: além de crianças suecas e jovens suecos, delegações de vários pontos da Europa. Como companhia nórdica, a Noruega; com todo seu glamour e até pitadas de romantismo, representantes da França; a pequena distância dos austríacos; as vozes e tradições romenas, carregadas de histórias da Transilvânia; um jovem de Israel e uma delegação do Líbano. Do outro lado do mundo, nós, brasileiros, tivemos também amigos de alto astral e humor, os Costarriquenhos; os Estados Unidos, que não exalavam um mísero aroma de arrogância, eram verdadeiramente boa companhia para se ter em intervalos; e o Canadá, com representantes que faziam meus lábios sorrirem sozinhos diante de tamanha meiguice.
Uma certeza eu tenho de tudo que me foi posto lá, em contrastes dos mais diversos. Eu era a criança mais quieta do acampamento. Mas queria fazer amigos. Não era antipática, e sabia dar belos sorrisos de boas-vindas a qualquer aproximação. Entendia tudo o que me falavam, mesmo quando nada respondia. É um comportamento comum de crianças que pensam muito, gostam de ouvir pessoas e tê-las por perto, mas são TÍMIDAS.
Do nada, um dia, as meninas da charmosa delegação Francesa vieram ter palavrinhas da gostosa fase da infância comigo. E disseram-me palavras soltas que qualquer pessoa que sabe montar quebra-cabeças de três peças era capaz de entender. Palavras que formaram uma pergunta. “Who you like”?
Digo até hoje que amizades entre meninas começam assim. E é um fato que tenho percebido ao longo dos meus anos – modestos ainda – como verídico. Meninas segredam entre si. Criam um pacto verbal do “não conte a ninguém”, e então nasce uma relação de afetividade. Logo depois dos segredos sobre os amores infanto-juvenis, vêm a congruência dos gostos, os presentinhos, as cartinhas compartilhadas.
Pareceria tudo absolutamente normal essa convivência entre duas meninas que se tornaram amigas diante de tais circunstâncias. O entretanto fica para o fato, que não pode ser esquecido, de que éramos de países diferentes. Eu, que não tinha um Inglês poderoso, mas regular, tinha uma deficiência enorme no falar em si, seja em que língua fosse. Ela, que tinha um inglês fraco, impossibilitava que nossas conversas fossem longas e demoradas, cheias de detalhes.
Fomos encaminhadas para uma host family juntas e o mais perto do inglês que chegávamos a falar uma para a outra era “good night” antes de pegarmos no sono. Durante o dia, brincávamos com a filha da família, que tinha nossa idade, e com o pai dela, que era sorridente, o típico “paizão”. E quando eu e minha companheira francesa tínhamos um tempo só para nós, ficávamos a apontar as coisas, cada uma dizendo o nome delas em sua língua. Como a origem é latina, muitas palavras batiam. E ficávamos excitadas com isso. E ríamos.
Hoje, passado então sete anos, vejo que “a linguagem com que os homens se falam” se fez, naquele dia tão evidente, não pelas palavras. Mas pelos gestos. Palavras são apenas nomes que os homens escolhem para dar às coisas. E são diferentes aqui de lá. Às vezes, oportunamente, iguais entre si. Mas quando ouço uma gargalhada divertida e delicada de uma criança, qualquer pessoa sabe que aquilo é um bom sentimento. Que a sensação da criança é boa. Quando crianças, nos países onde a norma bélica dita tudo, abaixam-se, escondem-se ou correm sem um real destino ao verem bombas rasgarem a resistência do ar em velocidade nos céus, qualquer pessoa entende que aquilo que elas sentem é medo. Em conjunto com muitos outros sentimentos. Mas principalmente medo.
As crianças fazem bem seus papéis de intérpretes reais do espetáculo da vida. E nem desconfiam do quanto são profissionais nisso. Mas ninguém lhes paga nada por isso. Ao contrário, elas crescem, sendo ensinadas por outros adultos que tão logo também deixaram sua infância para trás e esqueceram-se da verdadeira comunicação, aquela que paira nos olhos puros das crianças. Que em silêncio, mesmo estando os olhos cerrados, dizem mil frases diferentes, qualquer delas valendo, diferente das palavras que dão nomes e são a geografia e a cultura que lhes põe a validade. A verdadeira linguagem é uma constante, que nem a geografia, nem a cultura são capazes de deturpar.
Nossas crianças crescem e deixam de lado tudo que verdadeiramente tinham. E se perdem nas “ilhas”, fechadas em seus próprios mundos, onde seus valores são únicos e inquestionáveis. Um mundo pequeno, onde o “amor e o fogo” não têm espaço. E o coração não cresce. Como pode tamanha divergência? Tudo cresce: o mundo, as pessoas, as tecnologias, o conhecimento, as artes e a história. Mas seus corações são ditos estáticos. E reclamam ferrenhamente por esse direito de estaticidade.
- Ó vida futura! Quando te criaremos?

2 comentários:

Carla Menezes disse...

Lindo... A infância consegue ser deliciosamente sábia e cruel com os adultos...

Leonardo Ueda disse...

Sempre adorei a inocência, a pureza das crianças! E é por isso que eu procuro ter paciência com elas! Até os adultos aprendem com elas, já que na maioria das vezes é o contrário, né?
=]