segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Para refletir I

Em Março de 1983, Marinella García Villas foi assassinada pelos militares na república centro-americana de El Salvador. Fazia vários anos que as forças do governo e os guerrilheiros rebeldes travavam uma feroz guerra civil. Durante essa guerra, uma facção do Exército, juntamente com extremistas, havia raptado e assassinado milhares de pessoas. A jovem advogada Marinella formou um comitê de direitos humanos para investigar casos de desaparecimento e tortura. Em decorrência, acabou indo para a "lista negra" dos terroristas. Ela sabia que sua vida corria perigo.
[...]
No início de 1983, ela visitou uma das zonas de guerra, numa missão de Comitê de Direitos Humanos. Ela nunca mais voltou. Porém, uma carta que escreveu em 1980 nos conta qual era o impulso que a movia:

Eu luto pela vida: um trabalho real, que vale a pena. Não tenho nenhum desejo de morrer, mas já vivi tão perto da morte e de suas consequências que a vejo agora como algo natural. Todos nós devemos morrer um dia, mas a morte sempre virá cedo demais para o homem ou a mulher que tem uma intensa sede de viver. Cada minuto que passa tem um significado, uma profundidade maior do que qualquer outra coisa, mesmo que pareça comum e rotineiro. Cada rajada de vento, cada canto da cigarra, cada revoada de pombos é como um poema.
Sei que os que trabalham pela justiça sempre terão o direito a seu lado e receberão a ajuda de Deus; estes irão pravalecer, e a verdade resplandecerá.
É melhor ser rico de espírito do que em bens materiais.

Será que precisamos enfrentar a morte cara a cara antes de podermos experimentar a vida? Será que precisamos ver nossas ideias e nossos ideais ameaçados e pisoteados para que possamos compreendê-los?
"Os que nunca vivem o momento presente são os que não vivem nunca - e o que dizer de você?", escreve o poeta dinamarquês Piet Hein, num de deus poemas. O pintor e escritor filandês Henrik Tikkanen expressa uma ideia semelhante na seguinte máxima, ou aforismo, que nos dá o que pensar: "A vida começa quando descobrimos que estamos vivos".


Até agora o que você leu faz parte da introdução de O livro das Religiões. A verdade é que vivo essas palavras, essa forma de pensar desde que me conheço como alguém. E embora muitas pessoas já tenham me dito que isso é uma forma de pensar muito senil, acredito que só assim é que se pode verdadeiramente viver. Acho que ninguém precisa passar por nenhuma experiência traumatizante, extremamente difícil ou que ponha sua vida em risco para passar a dar valor a ela. Infelizmente, a rotina faz passar batido essas ideias, e quando menos esperamos, um acidente de natureza qualquer nos põe a encarar o fato de que estamos vivos e precisamos viver. Mas precisa ser assim mesmo? Ou será que já não bastam as pequenas coisas? Já fiz esse tipo de questionamento num post anterior. Existem milhares de pessoas que sofrem todos os dias, sozinhas em seu leito, mas que continuam a amar a vida completamente. Existem outros milhares porém que cruzam as ruas das cidades movimentadas, correm o dia todo, e ainda não se descobriram verdadeiramente vivas, por isso digo que são pessoas mortas.
Como já bem dizia Fernando Pessoa: "Vive um momento com saudade dele".

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