quinta-feira, 15 de março de 2012

Inaceitável Onde

Vamos à querida língua portuguesa, passear um pouco por seu emprego, nem sempre dos melhores. É verdade que eu erro escrevendo. Às vezes falta um acento aqui ou ali, às vezes o dedo esbarra e fica sobrando uma letra ou um dígito, mas isso está mais ligado à destreza com o teclado do que com o conhecimento da norma culta e da ortografia (hehehe), e nem sempre a revisão é perfeita. Acontece. É aquela velha história de "quem está de fora, vê melhor".
Agora, uma coisa que muito me incomoda, e agradeço muito por ter encontrado esse texto (um pouco antigo já), é o mau uso do "onde". Inaceitável.

Onde mais?
A gente não se dá conta, mas existe um outro vício (eu diria: vírus) de linguagem infectando indiscriminadamente brasileiros de todas as idades, sexos e estratos sociais.
Falo do insidioso “onde”. Sim: insidioso. À primeira vista, “onde” parece uma palavra inocente e inofensiva. Mas, sem fazer alarde, o danado do “onde” foi se imiscuindo na nossa vida, invadindo frases que não lhe dizem respeito e diminuindo consideravelmente as oportunidades de emprego para palavras honestas como “que”, “o qual” e “das quais”.
Todos os momentos em que deveríamos usar “em que”, muitas situações nas quais antigamente se usava “nas quais” e uma série de casos “onde” pedem nada além de um simples “que”, de repente, viraram momentos “onde”, situações “onde” e casos “onde”. Casos “onde”?!!
Esse maldito “onde” é ainda mais perigoso, porque, na maioria das vezes, a gente nem notaque ele está ali, apodrecendo uma frase inteira. Tem vezes “onde” a gente consegue perceber, mas existem construções mais elaboradas “onde” até os ouvidos mais sensíveis acabam engambelados.
É diferente do irritante “com certeza”, que tem uma melancia pendurada no pescoço e não esquece de se anunciar a cada aparição. Não é como a praga do gerundismo, que sempre vai estar chamando a atenção de todos os que não suportam estar ouvindo quem insiste em estar falando desse jeito. O “onde”, não. O “onde” é discreto. Vai chegar um momento “onde” você e eu vamos passar a falar assim e vamos achar normal.
(...) Vi o assunto sendo discutido no programa de TV do professor Pasquale, e ainda recebi várias newsletters pela Internet que tocavam no problema do “onde”. Ou seja: os estudiosos já estão há muito tempo cientes do problema. Agora é preciso envolver o resto da população no combate a essa epidemia. Aliás, aqui vai uma sugestão à produção da próxima “Casa dos Artistas”: vamos fazer da Tiazinha, da Feiticeira e dos Gêmeos os garotos-propaganda de uma campanha pela erradicação do “com certeza”, do “eu vou estar transferindo a sua ligação” e do “tem casos onde”. O absurdo maior é que o “onde” está deixando de ser usado justamente nos momentos em que deveria, ou seja, quando é relativo a lugares.
Quase ninguém mais diz “o lugar onde nasci” ou “as cidades onde morei”. Agora é o lugar “que” eu nasci, as cidades “que” eu morei. Se essa troca de função entre o “onde” e o “que” for mais longe, aonde (a quê?) vamos parar? Já pensou? Em vez de “a mulher que eu amo”, você vai dizer “a mulher onde eu amo”. (Às vezes as duas coisas coincidem, mas outras vezes o objeto do desejo está inacessível ou com enxaqueca.) Mas o pior vai ser quando “por que” virar “por onde”. “Por que você não foi?” vai virar “Por onde você não foi?”, o que vai suscitar múltiplas interpretações.
Além do que (do onde?), aprender de novo quando o poronde é junto, quando o por onde é separado e quando o porônde leva acento vai ser complicado demais nessa idade.

Ricardo Freire. Época, 25/12/2001 (com adaptações).

3 comentários:

Kammy disse...

Isa, descobri teu blgo..nossa vc continua escrevendo em blogs desde q eu te conheci há mto tempo atrás....rs

Mari disse...

O pior, como diz o texto, é que o onde é discreto... a gente nem percebe, ele chega e se instala na frase. E aí quando você vê já carrega mais um vício de linguagem pra tudo que é lugar.

Bjos

Henrique 湊川エンリッケ disse...

Creio que é a primeira vez que leio alguém falar sobre esse uso do "onde".

Jogador de futebol fala muito assim, também: "o jogo de hoje foi importante, onde conseguimos três pontos".

Parabéns pelo blog (que acabei de conhecer). Já vi que tem boas ideias.