sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sinestesia


Há algo de sinestésico correndo pelo ar. Já não se pode dizer se é o cheiro de erva doce que em nada apetece ou se é a claridade das páginas digitais que cansam os olhos como cansa os ouvidos o muito escutar.
Erva doce sempre trouxe uma lembrança de decepção. É uma imagem que lhe cai bem. Quando se comia jujuba na infância pela primeira vez, e aquele feijãozinho azul despertava a curiosidade da criançada. Ah! Desde aquela experiência, erva doce carrega consigo um desencanto, quase um sentimento de traição. E ninguém mais quer comer a jujuba azul. Uns insistem, talvez, em colocar erva doce em broas e bolos de fubá, mesmo hoje, já adultos e cientes do pequeno desgosto, para resgatar a infância, quem sabe. Não a infância em si, com suas alegrias, mas uma época específica dela, quando se começa a perder a inocência, quando se começa, feito Alice e seu mundo das maravilhas, a cair numa outra realidade, na realidade em que se desiludir faz parte do jogo. Tudo bem, prossegue-se a vida sem maiores dramas.
Mesmo caso com as páginas digitais. E-books são práticos e neoconceituais - se em alguma fase da vida o leitor já fez uso de enciclopédias Barsa para pesquisar os mais variados temas. Adapta-se bem àquilo que é cômodo, embora novas ferramentas sempre despertem novos problemas. E existe hoje a vista cansada de muito se colocar diante da tela de um monitor. Mas, sem maiores dramas, a vida também prossegue.
Mas a sinestesia continua.
Em algum canto da alma, um silêncio grita, retumba e ensurdece tudo ao seu redor, e ainda assim não se faz escutar. O drama não é passar da infância à idade adulta. O drama é tornar-se um adulto sem espaço para sua infância. E, por isso, ela protesta, por todos os sentidos possíveis.
Nada de jujubas azuis, por favor!

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