quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Abuso de princípios pelo Judiciário: isso é ativismo?

Tomando-se como cenário algumas das pérolas do Supremo Tribunal Federal, em termos de aplicação de princípios para embasar suas decisões, não é desarrazoado afirmar que o Judiciário tem ultrapassado os limites do bom senso. No julgamento da ADIn 4.638/DF, do ano de 2012, por exemplo, a dignidade da pessoa humana foi utilizada para justificar a manutenção de dispositivos da Lei Complementar 35/79 - Lei Orgânica da Magistratura que determinam seja secreto o julgamento do magistrado (como se a dignidade da excelentíssima autoridade valesse mais que a dos cidadãos comuns) frente às atuais regras constitucionais previstas no art. 93, IX e X. 
Concordo que os princípios estão agrupadas no mesmo gênero - normas - e que aqueles, ao lado das regras, também têm aplicabilidade imediata, com fulcro no art. 5o, § 1º, CF, e com a propriedade do entendimendo de José Afonso da Silva acerca do tema[1], além do que J.J. Gomes Canotilho[2] denomina de "força normativa dos princípios". Porém, não se justifica o abuso do STF ao evocar princípios.
Elival da Silva Ramos critica o fato de que a chamada corrente dos "neoconstitucionalistas" dão mais relevância aos princípios, por serem mais abrangentes, e por isso, tendem a transformar tudo em princípios. 
Quando se ultrapassa o bom senso que se espera de uma Corte Constitucional na aplicação de princípios, deve-se questionar se, do mesmo modo, também se ultrapassa a função jurisdicional. 
Num primeiro momento, impera lembrar que o Poder Judiciário é inerte. Ele age por provocação, e, se provocado, não pode se abster de pronunciar a questão. Como nos lembra Luís Roberto Barroso, é analisando-se o agir do Judiciário frente a tal pronunciamento que se pode determinar se houve ou não ativismo judicial.
Para o Prof. Elival, o ativismo judicial é uma disfunção. Em entrevista à revista Conjur[3] (2009) ele ressalta a opinião de que, o ativismo, não importando seu resultado, é algo ruim, porque uma lacuna suprida pelo Judiciário não justifica a deficiência do Congresso. Ou, em termos inversos, o atraso do Congresso em legislar adequadamente não legitima o ativismo Judicial. 
No que pese este raciocínio encontrar-se, a meu humilde ver, correto, tenho que a expressão "ativismo judicial" ganhou um sentido muito pejorativo, desde seus primórdios, e ainda sofre em razão desse nascimento conturbado. O termo foi cunhado nos EUA por uma corrente conservadora que não viu com bons olhos as transformações efetivadas pelo Judiciário sem que participasse o Congresso ou o Poder Executivo. 
Levo comigo o entendimento do Prof. Barroso de que, o ativismo judicial configura uma interferência maior do Judiciário para que se concretizem os valores e fins constitucionais. E isso é algo positivo.
O abuso dos princípios, por sua vez, não está ligado ao ativismo judicial, pelo menos não do modo como este é visto pelo Prof. Barroso, que, diferente do Prof. Elival, remete-nos ao mérito das decisões e fala em "ativismo judicial legitimamente exercido". Ativismo Judicial legítimo é aquele que "procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional"[4]. 
O abuso de princípios, no entanto, ultrapassa tal extração. É um mecanismo encontrado para inflar argumentos que, em verdade, encobrem interesses particulares. Isso não é ativismo judicial. Isso, claramente, refoge à função jurisdicional do Estado-juiz, mas repito, não se confunde com ativismo judicial. 

Fontes:
[1] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2007

[2] CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra, Portugal: Almedina, 2007.

[3] MILICIO, Glaucia. Democracia Desequilibrada. Conjur, ago.2009. Disponível em:. Acesso em: 21 nov. 2012.

[4] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.   

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