terça-feira, 26 de março de 2013

Problema do Trem e o conceito de juízo de valor

No Direito não existe nada absoluto. Paradoxal, eu sei, mas talvez esta seja uma das poucas certezas do Direito. 
Embora para a maior parte das pessoas ao pensar em Direito seja inevitável relacioná-lo às leis, a verdade é que estas, por si só, não bastam para solucionar as várias situações entre os homens. Pausa. E eis aqui outra certeza. Paro, para não deixar o leitor mal acostumado e não ficar com a fama de mentirosa. 
Se o Direito fosse "simples" assim, ou em outras palavras, se vivêssemos num positivismo sem escrúpulos, o que estivesse escrito na letra fria da lei, teria de ser aplicado, sem qualquer valoração de justo ou injusto, apenas: é legal, pois está na lei (e o terror tomaria conta - soa meio familiar...). Que bom que não é assim. 
Mas, então, qual é o papel do Direito? Bem, são inúmeros, é claro. E por óbvio, é dentro dele que se estudam as leis. Mas o estudo das leis não é um fim em si mesmo, certo? É com base no ordenamento jurídico que resolvemos as situações nos casos concretos. 
Vamos pegar nossa Lei Maior, a Constituição Federal. Em seu art. 5o, caput, encontramos a seguinte redação: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade[...]". Os grifos são meu. 
Inviolabilidade do direito à vida....e isso não é absoluto? Não. Responda-me, a vida de quem vale mais, a sua ou a minha? Complicado, não (ou você me matou nesse exato momento? Espero que não)?
Os questionamentos, portanto, começam a surgir quando se contrasta a letra da lei e a realidade. Só o caso concreto (e nas grandes questões, o STF) é que dirá qual a melhor solução. O que vale mais? O meu propósito não é responder a esta e outras dúvidas, mas sim as fazer crescer dentro de você, porque em minha humilde opinião, só vivendo e aprendendo a digerir questionamentos é que vamos aprimorando nossos juízos de valor. 
Para a reflexão, deixo aqui o Problema do Trem, de Philippa Foot (com adaptações feita pelo Prof. Felipe Chiarello). Imagine a seguinte situação em que um trem, próximo a uma bifurcação, perde o controle. Num dos lados da bifurcação está um grupo de cinco pessoas, e no outro, apenas uma pessoa. O que você faria se estivesse dentro do trem? Puxaria a alavanca para que, inevitavelmente, sacrificasse a vida de uma ou de cinco pessoas? Parece fácil responder. Penderia para a do lado de uma única pessoa, pois, a princípio, seria um sacrifício menor. São cinco vidas contra uma. Mas, veja agora essa mesma situação, sobre outra perspectiva: você está do lado de fora do trem, e vê tudo o que está acontecendo. Antes da bifurcação há uma pessoa bastante robusta, que, se fosse empurrada por você para a frente do trem, conseguisse fazer com que o trem não tivesse de passar por nenhuma das trilhas da bifurcação. Você empurraria a pessoa? Não creio que o faria. Mas, colocando-se na balança, de modo meramente quantitativo, não seria a mesma situação? Uma pessoa em prol, agora, de seis outras vidas humanas? 
Difícil!
Espero que a reflexão seja válida, se não para o jurista que existe em você, para que agregue algo em sua vida. Infelizmente, espera-se que a experiência dos anos ensine às pessoas o que não se pode aprender apenas lendo as disposições legais, mas nem sempre isso acontece. A estupidez parece se entender bem com a arrogância dos que muito conhecem, mas pouco sabem.

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